Por esses dias saiu mais um artigo resultante da minha dissertação de mestrado, a última publicação dessa pesquisa com a misteriosa planta parasita Cuscuta racemosa. Esse "spin-off" da dissertação foi um pequeno experimento que fizemos paralelamente ao trabalho principal, que foi publicado no ano passado na Frontiers in Plant Science. Como explico num post anterior, a cuscuta é uma planta parasita. Holoparasita, melhor dizendo, porque ela depende inteiramente das suas plantas hospedeiras para sobreviver. Esse modo de vida fez algumas espécies do gênero perderem completamente, ao longo da evolução, a capacidade de fazer fotossíntese. Noutras espécies, essa capacidade se manteve de modo muito limitada.
O evento que deu origem à minha pesquisa de mestrado foi quando um amigo e eu estávamos caminhando para casa e encontramos uma planta de cuscuta crescendo sobre coroas-de-cristo (Euphorbia milii) num canteiro no centro de Pelotas, RS. Arrancamos um ramo para observá-lo melhor e o levamos para a casa do meu amigo, onde o deixamos sobre uma planta de babosa. Quando eu fui embora, esquecemos o ramo da cuscuta ali e, uns dias depois, o meu amigo me chamou surpreso dizendo que o ramo da cuscuta tinha ficado completamente verde! A cor natural dessa espécie de cuscuta é amarelo-ouro e, até onde sabíamos, não havia relatos da presença de clorofilas em C. racemosa.
Por causa disso, começamos a fazer algumas perguntas e formular hipóteses. Primeiro, será que ela ficou verde porque não estava achando um bom hospedeiro, então precisou fazer fotossíntese por conta própria para sobreviver? Segundo, será que ela não teria ficado verde se detectasse um hospedeiro perto? E se forem hospedeiros diferentes, será que ela percebe e muda a quantidade de clorofilas dependendo de quanto ela vai precisar para sobreviver? Essas perguntas deram origem à pesquisa principal do mestrado, e a resposta foi sim, elas percebem hospedeiros a distância, produzem mais clorofilas quando não tem ninguém por perto, e mudam a quantidade de pigmentos dependendo da espécie de hospedeiro que está próxima à cuscuta.
Além disso, notamos que quando a cuscuta ficava verde, ela não mudava de cor uniformemente, mas ficava particularmente mais esverdeada na região do nó dos ramos; a região onde crescem os brotos. Isso nos fez questionar, também, se não estaria havendo uma "fotossíntese localizada" ocorrendo ali, talvez para sustentar o crescimento do novo broto, que é a parte da planta que irá buscar um novo hospedeiro. Para testar essa hipótese, eu e um grupo de amigos desenvolvemos um experimento muito simples: enrolar tiras de papel-alumínio ao redor do nó dos ramos das cuscutas e ver o que acontece depois de um tempo. Assim, não haveria incidência de luz sobre o nó e, segundo nossa hipótese, os brotos não iriam se desenvolver tão bem.
Como controle, em outro grupo de plantas enrolamos tiras iguais de papel-alumínio não no nó, mas imediatamente abaixo. Assim, ambos os grupos (tratamento e controle) receberiam a mesma quantidade de luz e teriam a influência do papel-alumínio, então diferenças nos resultados seriam devido ao bloqueio da luz no nó, e não outro motivo. O resultado desse trabalho foi que, de fato, o broto crescia menos quando não havia luz no nó. Entretanto, o efeito se deu apenas no comprimento, que era cerca de um centímetro menor, e não em outros parâmetros como o peso dos brotos. Outro resultado interessante foi que as cuscutas que tiveram o nó de seus ramos sombreado apresentaram maiores quantidades de clorofilas do que o grupo controle, e a proporção de dois diferentes tipos de clorofila (chamadas a e b) mudou também, ficando parecida com a de plantas verdes, que fazem fotossíntese normalmente para sobreviver, quando estão em ambientes sombreados. Ou seja, aparentemente, quando os nós, e apenas os nós de C. racemosa não estão iluminados, os ramos se comportam de um modo semelhante ao que fazem plantas verdes, autotróficas.
Este trabalho adiciona mais um tijolinho ao conhecimento que temos sobre a biologia das cuscutas — em particular, sua fotossíntese, que é tão desconhecida e misteriosa. Alguns estudos já demonstraram que certas espécies realmente conseguem produzir altas quantidades de clorofilas em situações particulares e tem sido sugerido que elas o façam quando estão destacadas de seus hospedeiros ou em hospedeiros de má qualidade. Assim, de algum modo, prolongariam a sua sobrevivência até acharem algum hospedeiro nutritivo para parasitar. O interessante é que, segundo sugerido por Hibberd e colegas, devido ao fato das cuscutas terem poucos estômatos (poros de abertura regulável por onde a planta troca gases), a maioria do carbono usado na fotossíntese viria da respiração da própria planta! Ela estaria reciclando o próprio carbono para se manter viva por mais tempo. Infelizmente, para o nosso trabalho, não foi possível medir diretamente a fotossíntese, mas este é um objetivo para o futuro!
De qualquer modo, os resultados já são bastante instigantes. Outra observação digna de nota é que este trabalho foi feito com um mínimo de recursos e materiais, mostrando que, na ciência, o mais importante é ter boas perguntas e criatividade para testá-las (o que não significa que investimentos em ciência não sejam necessários!!!). Além disso, publicamos a pesquisa na Acta Botanica Brasilica, uma revista de acesso aberto, então este conhecimento está disponível gratuitamente para qualquer pessoa que queira acessá-lo!
Para finalizar, assinam o artigo, além de mim, Gabriela Niemeyer Reissig, Luís Felipe Basso e Ricardo Padilha de Oliveira. O trabalho foi parte do meu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Fisiologia Vegetal da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), feito com orientação do Prof. Gustavo Maia Souza no Laboratório de Cognição e Eletrofisiologia Vegetal da UFPel. E, é claro, com bolsas do CNPq e CAPES, tão sofridos ultimamente como o resto da ciência nacional.
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