Acabou de sair um artigo que, espero, faça algum burburinho na comunidade científica — ao menos, na parte dela que lida com cognição de plantas. O artigo, publicado na Progress in Biophysics & Molecular Biology, é um esforço coletivo com a contribuição de pesquisadores dos mais diversos campos (biologia, física, filosofia e psicologia) para desenvolver a hipótese de que plantas são capazes de prestar atenção. Isso mesmo: atenção, literalmente!
Mas vamos com calma para entender melhor. Já se sabe há muito tempo que as plantas são inteligentes e cognitivas. Sabemos que elas percebem e estão cientes do ambiente ao seu redor, que elas tomam decisões a respeito do que fazer em diversas situações, que elas conseguem formar memórias e aprender (inclusive já foram observadas formas complexas de aprendizagem, como aprendizagem por associação!), que elas se comunicam entre si e com outros organismos e inclusive que elas agem por antecipação, baseadas no que elas acham que vai acontecer no futuro. Uma quantidade crescente de estudos tem revelado e consolidado esta nova compreensão das plantas como seres muito mais complexos do que se imaginava.
Pois bem, dentre todos esses estudos sobre a cognição vegetal, há uma peça importante faltando: o estudo do fenômeno da atenção nas plantas. Atenção é um estado cognitivo particularmente importante porque, tendo os organismos capacidades cognitivas limitadas, e sendo os estímulos recebidos dos órgãos dos sentidos muitos, é preciso priorizar o que perceber e ao que responder. Do mesmo modo, quando efetuamos alguma tarefa como dirigir ou estudar, precisamos focar no que estamos fazendo; não podemos nos distrair com outros estímulos que não têm relação com a tarefa, sob pena de sofrer um acidente ou não ser aprovado num exame — atenção, portanto, é fundamental para a própria sobrevivência de um organismo.
As plantas possuem uma enorme quantidade de sentidos, segundo alguns autores até mais do que os animais. Elas podem perceber a luz em suas menores variações de intensidade e qualidade espectral, sentem substâncias químicas no ar e no solo, percebem o toque, a gravidade, de certo modo são capazes de ouvir, sentindo e reagindo a diferentes sons, conseguem perceber gradientes de umidade no solo, são sensíveis a campos magnéticos e assim por diante. Tudo isso ao mesmo tempo e em dois ambientes completamente diferentes: o escuro, fresco e compacto mundo subterrâneo, onde estão as raízes, e o instável, luminoso e imprevisível mundo aéreo, onde ficam o caule e as folhas. Como pode-se perceber, as plantas recebem e precisam monitorar uma quantidade extraordinária de estímulos ao mesmo tempo.
Imagine-se planta: você não pode se mover e, ao mesmo tempo, sente que tem insetos mastigando suas folhas, o vento soprando, a água acabando no solo, a intensidade do sol mudando a cada minuto (principalmente quando passa uma nuvem), minhocas roçando nas raízes, o som de cigarras nos seus ramos, outras plantas crescendo mais que você e que podem ser uma ameaça no futuro, o "sabor" atraente de uma mancha de nutrientes a poucos metros, mas para onde você precisa direcionar o crescimento das raízes, fungos e bactérias se comunicando com as suas raízes e tentando formar uma simbiose, além de substâncias químicas no ar que trazem mensagens de outras plantas. É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, não é? E frise-se: você não tem um cérebro, nem sequer neurônios, para auxiliar no processamento de toda essa informação.
Para conseguir dar conta de lidar com todos esses estímulos, parte do problema resolve-se com a estrutura dos corpos das plantas, que são modulares. Isso significa que elas são feitas de várias partes repetidas e semiautônomas, cada uma capaz de lidar de modo razoavelmente independente com os estímulos que percebe. Os problemas, então, são divididos, e a cognição das plantas é distribuída pelos seus corpos. Cada parte fica responsável por uma coisa. Assim, uma raiz não precisa se preocupar com os ajustes na fotossíntese que uma folha precisa fazer todas as vezes que uma nuvem passa na frente do Sol, nem uma folha precisa decidir se a raiz crescerá em direção a uma zona mais úmida do solo ou a outra que parece ser rica em um nutriente em particular. Além disso, há outra estratégia muito importante e até então bastante ignorada na literatura: já que as capacidades cognitivas das plantas são limitadas, é preciso priorizar os estímulos aos quais a planta responde. Em outras palavras, é preciso focar em alguns estímulos mais importantes no momento e ignorar outros. Em outras palavras ainda, é preciso escolher ao que se presta atenção.
Atenção, então, pode ser entendida como o fenômeno de priorizar, de modo flexível e dinâmico, quais estímulos percebemos e quais ignoramos ao longo do tempo, e aos quais investimos energia de modo desproporcional. Isso é algo que muda constantemente e envolve um balanço importante entre o que está acontecendo dentro do corpo, em nível fisiológico, e fora do corpo. Por exemplo, se estamos concentrados numa tarefa, talvez não percebamos que alguém deixou um pacote de bolachas ao nosso lado. Porém, se estamos com fome, esse estímulo doutro modo irrelevante talvez atinja a nossa percepção consciente.
Existem muitas variedades de atenção e a maioria delas foi identificada e estudada em humanos, naturalmente. Nunca, porém, em plantas. Que eu tenha conhecimento, a primeira pessoa a se debruçar sobre o tema da atenção em plantas foi o filósofo da Universidade do País Basco Michael Marder, que em 2013 publicou um artigo em que propõe que plantas seriam capazes de possuir atenção. Porém, desde aquele ano pouco se discutiu sobre o assunto até 2021, quando meus colegas e eu publicamos o artigo resultante da minha dissertação de mestrado. Nele, ao estudar os sinais elétricos de uma planta parasita quando ela percebia uma presa perto de si, encontramos o que nos pareceu uma evidência empírica de um processo de atenção em plantas. Eu explico os achados dessa pesquisa neste post aqui.
A análise dos sinais elétricos das plantas através de técnicas análogas às do eletroencefalograma dos cérebros para estudar empiricamente o fenômeno da atenção nelas pareceu uma ideia promissora, além de ser uma oportunidade de combinar teoria e prática "em tempo real" para estudar um aspecto importante da biologia das plantas. Entretanto, para estudar a atenção vegetal cientificamente, é necessária uma hipótese que justifique essa ideia. E hipóteses novas frequentemente nascem do encontro de mentes e experiências diversas.
Foi assim que, juntando as contribuições filosóficas de Michael Marder, os conhecimentos de ecologia comportamental de Monica Gagliano (Universidade do Cruzeiro do Sul, Austrália), a experiência em psicologia experimental de Umberto Castiello (Universidade de Pádua, Itália), o entendimento da física e de análises eletrofisiológicas de Thiago F. C. Oliveira e os conhecimentos de fisiologia e eletrofisiologia vegetal de Gustavo Maia Souza, Gabriel R. A. de Toledo e meus (todos os últimos da Universidade Federal de Pelotas, RS); e ao longo de muitas conversas por e-mail e virtuais, posto que ainda estamos em tempos de pandemia, chegou-se ao artigo Do plants pay attention? A possible phenomenological-empirical approach. Nesse artigo, buscamos desenvolver uma hipótese teórico-prática para explicar o que seria, como funcionaria, e como poder-se-ia estudar a atenção das plantas, que me esforçarei para explicar abaixo.
A (possível) atenção das plantas
Levemos em conta duas premissas: primeiro, atenção é, muito simplificadamente, o processo de favorecer certos estímulos e ações em detrimento de outros para conseguir lidar com o processamento desses estímulos e o uso das informações geradas a partir daí. Nas palavras de Marder, é "um investimento desproporcional de energia física ou mental por um organismo, tecido ou célula em uma atividade em particular ou na recepção de um determinado estímulo ou conjunto de estímulos". Essa é uma definição interessante por não ser cerebrocêntrica: não é necessário um cérebro para existir atenção, basta um organismo, tecido ou célula que atenda aos requisitos mencionados, o que abre a possibilidade de não só plantas, mas qualquer organismo ser atentivo, como fungos e mesmo bactérias.
E quando observamos o comportamento das plantas, entendemos que muitas das atividades que elas fazem requereriam atenção. Por exemplo, estudos com plantas trepadeiras mostram que elas procuram ativamente por um suporte onde se agarrar, o que requer a identificação de um objetivo e a manutenção do foco nessa meta até conseguir alcançar o suporte desejado. Qualquer comportamento voltado a um objetivo, como crescer em direção a uma fonte de luz, supostamente requer atenção. Pense-se numa planta dentro de casa que sempre cresce em direção à janela. Ela mantém esse crescimento sem ser "distraída" pelas alternâncias entre dia e noite, ou as luzes que são acesas na casa, especialmente quando fora está escuro. Raízes também poderiam prestar atenção, já que crescem em direção a uma fonte de nutrientes seguindo esse estímulo sem serem desviadas por outros, como toques e sons. Outro exemplo é a planta carnívora dioneia, cujas folhas contêm seis cerdas que devem ser tocadas por um inseto para que ela feche a armadilha. Essa planta conta o número de vezes em que as cerdas foram tocadas para saber quando desencadear o fechamento. Quando uma cerda é tocada uma vez, a planta precisa prestar atenção ao próximo estímulo, o que requer manter a memória do toque precedente, para saber se deve ou não fechar a armadilha.
Esses exemplos nos permitem supor que as plantas estão prestando atenção ao que fazem e sentem, mas como comprovar isso empiricamente? Como saber o que está acontecendo em nível fisiológico?
É aí que entra a sinalização elétrica das plantas. Assim como os animais, plantas são capazes de gerar em suas células muitos sinais elétricos que viajam pelos seus corpos levando e trazendo informações. O conjunto de toda essa atividade elétrica é chamada de eletroma vegetal, e o eletroma pode ser estudado utilizando-se uma técnica análoga ao eletroencefalograma, chamada eletrofitograma (do grego: phytón, planta). Não entrarei em detalhes técnicos, mas ao colocar eletrodos nas plantas, pode-se registrar como o campo elétrico entre os eletrodos varia ao longo do tempo, gerando séries temporais. Posteriormente, analisa-se as séries temporais de muitos modos, desde análises matemáticas até classificações por inteligência artificial. E ao estudarmos a complexidade dessas séries e como os sinais se correlacionam, podemos ter alguma ideia do que está ocorrendo dentro da planta.
Apesar da comodidade técnica, uma potencial dificuldade em estudar atenção em plantas é, justamente, a já mencionada modularidade delas. Se cada parte de uma planta, folhas, ramos e raízes, é semiautônoma, como uma planta inteira vai prestar atenção? O que queremos dizer quando falamos que uma planta está prestando atenção? Pois bem, justamente por isso o fenômeno da atenção em plantas pode ser consideravelmente raro. No entanto, existem ocasiões em que a planta inteira precisa coordenar o seu comportamento. Por exemplo, quando as raízes detectam que não há mais água no solo, elas enviam sinais elétricos às folhas para que estas fechem os estômatos (pequenos poros reguláveis que permitem a troca de gases e a saída de vapor), de modo a evitar perda de água. Depois, elas começam a sintetizar um hormônio chamado ABA (não confundir com a banda pop sueca), que estimula as folhas a manterem os estômatos fechados. As próprias folhas começam a produzir ABA por conta própria, e toda a planta começa, então, a acumular açúcares e produzir proteínas que aumentam a resistência à seca. Tudo isso requer o esforço coletivo e coordenado de todas as partes da planta para resolver um problema comum.
Se usarmos a analogia de Anthony Trewavas de que plantas funcionam como uma confederação democrática, imaginemos que uma planta em estado normal seja um país em tempos normais, onde cada habitante vive sua própria vida, comunicando-se com os outros quando necessário. Esses cidadãos sabem que fazem parte de um mesmo país: eles têm documentos que comprovam isso, compartilham uma cultura e uma língua em comum, mas esse é um pertencimento um tanto disperso, fraco. Agora imaginemos que chegou a Copa do Mundo: neste caso, todo mundo muda o seu comportamento e o sentimento de pertencer ao país é exacerbado. Quando a seleção está jogando, todos se reúnem diante das televisões e, com sincronia perfeita de norte a sul, sofrem a cada pênalti e comemoram cada gol. O país inteiro pára para prestar atenção ao jogo.
Seria mais ou menos assim que a atenção das plantas funcionaria. E como a atividade elétrica aparentemente está envolvida em todos os comportamentos das plantas, é de se supor que uma planta prestando atenção teria a complexidade dos seus sinais reduzida, ficando eles mais regulares, sincronizados e previsíveis — assim como a atividade dos habitantes de um país fica mais previsível durante a final da Copa: é fácil supor que quase todo mundo vai estar na frente de uma televisão ao mesmo tempo, que irá gritar "GOOOOL" quando a bola atingir a rede do time adversário, e todos vão pular, celebrar e chorar juntos quando o juiz apitar o fim da partida anunciando a vitória da seleção.
No artigo, revisamos a literatura em busca de evidências de que a atividade das plantas funcionaria assim quando elas estivessem em situações que supostamente requerem atenção. O que as informações disponíveis indicam é que, aparentemente, há sentido nessa hipótese: em quase todos os casos analisados, a sinalização elétrica das diversas espécies estudadas se comportou do modo esperado, o que abre o caminho para pesquisas empíricas sobre a atenção das plantas. Sendo assim, temos um ponto de partida teórico e prático para investigar este possível fenômeno, o que pode preencher uma lacuna importante no estudo da cognição e inteligência das plantas.
Atenção e consciência
O artigo também adiciona lenha a uma fogueira já bastante quente, que é a discussão de se as plantas poderiam ser conscientes. O debate ganhou ímpeto nos últimos anos com alguns autores demarcando claramente as suas posições, a favor ou contra, e é lógico que está ainda longe de chegar a alguma conclusão.
Todavia, é interessante notar que dentro da tradição fenomenológica da filosofia, atenção e consciência são tão relacionadas que poderiam ser consideradas como sinônimos: atenção é consciência. Isso faz sentido se pensarmos que só somos conscientes daquilo a que prestamos atenção. Se numa festa estamos tão absorvidos pela conversa com uma pessoa bonita que nos interessa, não estamos conscientes da música horrível que pode estar tocando. Nossa atenção e consciência está focada na pessoa que nos atrai. Quando dormimos, não prestamos atenção em nada — de fato, estamos inconscientes. Assim sendo, se existe tal coisa como uma consciência das plantas, o estudo da sua atenção, tanto empírico quanto filosófico, pode ajudar a lançar luz sobre este debate.
O interessante é que, sendo as plantas modulares, raramente estariam inteiramente num estado de atenção. O mais provável é que cada módulo, cada parte da planta esteja lidando com os estímulos e ações locais, que não são percebidos pela planta inteira, o que faz com que a planta como um todo esteja mais próxima do que poderíamos chamar de um estado de distração, com a sua suposta consciência dispersa e não focada. No entanto, quando a planta como um todo precisa se coordenar para atingir um objetivo ou resolver um problema, todos os módulos sincronizam-se e a planta se "foca" na sua atividade ou problema, presumivelmente tornando-se consciente daquilo que atraiu a sua atenção, quiçá tendo consciência de si como um organismo — mais ou menos como um povo que, de repente, sente que faz parte de uma mesma nação durante a Copa do Mundo.
Essas são, naturalmente, divagações pouco compromissadas. Não obstante, talvez a formulação de uma teoria da consciência vegetal passe pelo estudo da atenção nas plantas o que — é importante reforçar — é apenas uma hipótese. A ideia do artigo publicado na Progress in Biophysics & Molecular Biology é demonstrar que o fenômeno da atenção em plantas é possível e que pode ser testado empiricamente; é abrir o caminho para essa linha de pesquisa. Daqui para a frente deve-se testar a hipótese com experimentos robustos e discuti-los com a devida profundidade filosófica e os adequados níveis de ceticismo. No futuro, esperamos ter dados suficientes para sustentar a hipótese de que plantas prestam atenção e, quem sabe, possam ser conscientes. O trabalho está só começando.
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